A importância da pesquisa em museus, por Denize Gonzaga

por | abr 16, 2024 | Artigos

Seja qual for o objeto, basta olhar para ele, basta querer descrevê-lo, ele se abre […], torna-se um abismo…

Francis Ponge, 2000.

O tempo apaga o valor de uso dos objetos. Normalmente, eles são retirados de seu contexto original, chegam ao museu pela relevância de seu significado, sendo reapresentados e ressignificados. A partir disso, de acordo com o historiador Francisco Régis Lopes Ramos (2004), devem ser tratados como fonte de reflexão e de construção de narrativas.

A maioria de nós vê esses objetos apenas no momento em que eles são expostos. Entretanto, não basta que os objetos sejam apenas exibidos. Eles não falam por si só! É preciso oferecer elementos que deem aos públicos condições de entender as informações que eles carregam e o seu significado na sociedade atual. Assim, abrem-se as possibilidades de conhecimento do nosso e do mundo de outros tempos e espaços.

Nesse sentido, Ramos (2004) aponta alguns questionamentos, como “com quantas histórias se faz um objeto? Como foi feito? Por quem? Por quê? Quando? Como foi amado ou odiado? […] Quantos segredos (in) confessáveis (…)”. Essas são perguntas que podem ser feitas pelos visitantes, ao se conscientizar do valor dos bens materiais e imateriais de diferentes comunidades.

Por essa demanda e pela necessidade da aproximar mais o público da cultura material, a pesquisa museológica torna-se importante nos museus, que devem pensar diferentes maneiras de exibir para tornar a visita mais atrativa e interessante. Recentemente, inclusive, uma pesquisa realizada pelo Datafolha e pela Fundação Itaú (2023) mostrou que a falta de atratividade é um dos fatores que leva as pessoas a não frequentarem tais espaços.

Nesse sentido, torna-se imprescindível uma ação mais ampla: um programa de pesquisa institucional permanente em diversos níveis, com a proposição de um trabalho interdisciplinar com diferentes projetos que deem suporte para todos os setores da instituição. Isto é, pode, por exemplo, estar alinhado ao programa educativo, às ações de difusão e comunicação e ao atendimento a pesquisadores(as) que buscam a instituição em seus trabalhos acadêmicos.

Fazendo parte do tripé museológico, a investigação pode proporcionar aos funcionários do museu um olhar sobre o todo e, assim, despertar diferentes formar de expor, assegurando “[…] uma visão crítica sobre determinados contextos e realidades dos quais o objeto é testemunha” (LEITÃO, 2006). Caso contrário, corre-se o risco de realizar mostras clichês e expor peças aleatoriamente, que ilustram, mas não fazem mais que confundir o entendimento do público. Ou, ainda, criar cenários espetacularizados que muitas vezes obscurecem o valor simbólico dos objetos.

O fato é que, assegurando isso, os museus conseguirão transformar meras exposições em mostras que tenham compromisso com a produção e com a disseminação do conhecimento, na tentativa de frear uma única visão, a voltada apenas ao turismo e ao lazer.

Importante ligação entre a salvaguarda e a comunicação, a pesquisa pode possibilitar a alguns museus, entre outras coisas, o desdobramento do seu acervo, o que aconteceu por exemplo, com o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista (Museu Nacional/UFRJ), com o Museu de Astronomia e Ciências Afins (RJ) e com o Museu Paraense Emílio Goeldi. Este último, por realizar parcerias e estar ligado a diferentes órgãos de pesquisa, conseguiu aumentar continuamente sua coleção de exsicatas, recebendo mais exemplares no decorrer dos anos. Já o Museu Nacional/UFRJ, por estar vinculado às atividades do curso de Antropologia e a determinadas áreas de estudo desenvolvidas pelas pós-graduações, como a Entomologia, também conseguiu fazer crescer seu acervo ou preencher lacunas com a pesquisa sistemática.

A pesquisa museológica obedece aos mesmos critérios e procedimentos metodológicos da pesquisa histórica acadêmica. Seu sucesso depende, quase sempre, de contribuições de outras disciplinas, tais como Antropologia, Arqueologia, Sociologia e História da Arte (JULIÃO). O que diferencia, entretanto, a primeira pesquisa da segunda é a particularidade de o objeto de estudo ser o acervo museal, tendo como ponto de partida os artefatos. Além disso, o resultado da investigação pode ser mostrado ao público por meio das ações culturais, projetos educativos, banco de dados, pelas publicações, e não somente por meio de exposições.

Na ciência histórica, a pesquisa de documentos era, até pouco tempo, reduzida aos textos e aos produtos da Arqueologia. “Hoje os documentos chegam a abranger a palavra, o gesto. Constituem-se arquivos orais; são coletados etnotextos” (LE GOFF, 1996). Nesse sentido, a pesquisa museológica vem contribuir, assim como a História, para o entendimento de determinados contextos socioculturais por meio de estudo de variados tipos de acervo, com o cuidado de não realizar “[…] uma história dos objetos, o que representaria perpetuar atitudes de fetichização do acervo, comuns em muitos museus, mas construir um conhecimento histórico da sociedade, na perspectiva de sua dimensão material” (JULIÃO, 2006).

Entendendo essa importante atividade aos museus, Mário Chagas  (2005) afirma que “um museu que não desenvolve pesquisa é um museu que está perdendo a sua identidade. Ele poderá ser um mostruário, poderá ser uma coleção, poderá ser uma outra coisa qualquer, mas não será um museu.” Mas, mais que isso, desenvolvendo ações como esta, que envolvem um processo museológico mais complexo, assume-se a instituição como potencialmente transformadora. Somente assim ela terá uma função de formadora de ideias, e não somente a de guardadora de objetos.

Denize Gonzaga é Museóloga e historiadora. Atualmente conselheira, secretária e coordenadora da Comissão de Legislação e Normas (CLN) do COREM 5.ª Região PR/SC.

Referências

JULIÃO, Letícia. Caderno de diretrizes museológicas 1. 2. ed. MinC. IPHAN. Departamento de Museus e Centros Culturais. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura. Superintendência de Museus, 2006.

CURY, Marília Xavier. Comunicação e pesquisa de recepção: uma perspectiva teórico-metodológica para os museus. História, Ciências e Saúde – Manguinhos, v. 12 (suplemento), p. 366. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v12s0/18.pdf. Acesso em: 29 nov. 2012.

FILHO, Juarez Bergmann. A análise e a criação de literatura musical como ferramentas da metodologia contemporânea do ensino do violino em sua fase inicial de aprendizado. Dissertação. Mestrado em Música. Curitiba: UFPR, 2010, p. 31. Apud Kolneder, Walter. The Amadeus Book of the Violin – Construction, History and Music. Portland: Amadeus Press, 1998.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 4.ed. trad. Bernardo Leitão et. al. Campinas: Ed. da Unicamp, 1996, p. 10. (Coleção Repertórios).

CHAGAS, Mário. Museu de Astronomia e Ciências Afins – MAST. Museu: Instituição de Pesquisa. Organização de Marcus Granato e Cláudia Penha dos Santos, Rio de Janeiro: MAST, 2005. (MAST Colloquia; 7).

RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino de História. Chapecó: Argos, 2004.

REIS, Claudia Barbosa. A pesquisa museológica no Museu Casa de Rui Barbosa. Disponível em http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/o-z/FCRB_ClaudiaBarbosaReis_A_pesquisa_museologica_no_museu_casa_de_RuiBarbosa.pdf. Acesso em 01 dez. 2012.

SOARES, Tammy de Oliveira Cittadin. O violino: sua origem, principais construtores e uma visão contemporânea por Leandro Mombach. Monografia (Graduação em Música). Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.